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Você chegou lá. E agora, mulher?

Uma reflexão sobre a jornada feminina rumo à felicidade




Eu converso com muitas mulheres todos os dias. Muitas delas em cargos altíssimos de liderança. E uma coisa que eu venho ouvindo são frases como "mas pra que tudo isso?", "o que eu tô fazendo aqui?", "por que estou conquistando tanto e quero mais?", “estou faltando demais em outras partes da minha vida?". Justo no momento do seu auge de crescimento, o que eu escuto é uma insatisfação, um desconforto, uma dor de não pertencimento, que culmina com aquela frase que ninguém espera ouvir saindo de si mesma: "será que essa era a vida que eu deveria estar vivendo, porque eu não estou feliz e deveria estar?".


É difícil admitir e lidar com essa angústia, mas é real. E por que será que ela invade tantas de nós? Começa quando entendemos que a nossa sociedade não foi estruturada de forma a fazer com que a mulher que trabalha sinta conforto e tranquilidade no lugar que conquistou. Até 1962, trabalhávamos somente com autorização dos maridos (os formais responsáveis e provedores); eram nossas as funções de cuidar da casa, e tínhamos o dever moral de abrir mão de qualquer avanço profissional com a chegada de um bebê… Mil novecentos e sessenta e dois. Eu até escrevi por extenso para entender que isso é muito pouco tempo atrás. É raiz nova, é memória recente, e isso faz toda a diferença.


A grande verdade é que cada uma de nós é uma personagem tentando viver uma narrativa. E seja na Literatura, no Cinema, na TV, seja na mídia que você imaginar, sempre acompanhamos uma personagem que passa por uma transição para se tornar alguma outra coisa no final.


Nessas transições, pode parecer que tudo está acontecendo ao mesmo tempo e nos "forçando" a tomar rumos diferentes, ou que nada está "se mexendo" externamente, enquanto uma verdadeira erupção acontece dentro de nós. Seja qual for o seu tipo de bagunça interior, ela assusta. Ou pelo menos assusta as 55 mulheres com quem eu conversei recentemente.


Talvez a resposta esteja na literatura. Muitos de nós já ouvimos falar da "Jornada do Herói". Poderosos filmes, como Star Wars, livros, como Harry Potter e dezenas de seriados de sucesso são escritos com base nos passos dessa jornada narrativa. Tudo começou muito lá atrás, quando Aristóteles, em seu livro "A Poética", concebeu a noção de que uma história tem começo, meio e fim.


Depois, Joseph Campbell escreveu sobre a Jornada do Herói como conhecemos hoje, em "O Herói de Mil Faces". Em seu livro, ele propôs 17 passos para descrever um padrão de história que se repetia por aí, onde o herói saía de um lugar comum/familiar e acabava em um lugar não familiar, passando por bons e maus momentos, transformando-se e, geralmente, "corrigindo" algo de sua personalidade ou comportamento.


Em seguida, Christopher Vogler, no livro "A Jornada do Escritor", de certa forma resumiu a Jornada de Campbell em 12 passos ou três atos. Poderia citar muitas outras pessoas que contribuíram para essa noção da jornada de um personagem, que tem tanto a nos ensinar sobre nós mesmos, entre elas: Syd Field, Robert Mckee, Kristen Thompson e David Bordwell.


Mas, hoje, quero destacar uma autora que mudou o paradigma da experiência feminina em narrativas e que criou uma grande ferramenta de autoconhecimento nessas travessias confusas do viver. Maureen Murdock, PhD, estudiosa de narrativas femininas, mitologia e memória, também foi aluna de Campbell. Só que quando ela o questionou sobre a validade daquela jornada do herói para a experiência feminina, não ficou satisfeita com a resposta. Então, dedicou-se a reescrever essa história, a partir do seu trabalho com muitas mulheres, originando um livro chamado "A Jornada da Heroína".


Nesse livro, Maureen descreve a busca da mulher contemporânea por sua própria versão, numa sociedade que foi inteiramente definida a partir de valores masculinos. Pegando muita coisa de contos de fadas e mitos fundadores, símbolos antigos e deusas, além dos sonhos e anseios da mulher de hoje, o livro é uma viagem terapêutica para todas nós, além de uma ferramenta indispensável para a nossa busca interna. Resumindo, a mulher, ainda bebê, se separa do feminino e se identifica com as referências masculinas como poderosas, vai se provando, experimentando uma sensação de sucesso, até que sente um vazio enorme, justamente no ápice do seu crescimento profissional. A partir dessa angústia, ela busca urgentemente o seu lado feminino, até que o reconecta ao lado masculino desenvolvido e, só aí, consegue ser feliz de fato.



Então, se assim como essas 55 mulheres com quem conversei você sente que algo em sua vida está fora do lugar ou acredita que precisa reencontrar a origem e o destino da sua potência, entenda que você não está só! E, quem sabe, essa leitura sirva como experiência poderosa, como foi pra mim. Obrigada, Maureen Murdock! Você me mostrou que eu estava perseguindo uma narrativa que não era minha e que a jornada da heroína tem momentos de angústia bem no momento em que deveríamos estar nos sentindo plenamente realizadas. Entendi que, na busca de um sucesso “programado” na Jornada do Herói, acabamos ignorando a complexidade de ser mãe, esposa, profissional e líder, ainda mais numa sociedade patriarcal e ainda machista. O cansaço e a dúvida da mulher de hoje podem estar, justamente, na utopia de sermos potentes e perfeitas em todos os papéis da narrativa pessoal que estamos escrevendo, enquanto transformamos a história. Você, Maureen, me reconectou com um feminino carregado de sororidade, de vulnerabilidade e de força.


PS.: se quiser um guia de bolso resumido sobre o tema, leia MULHERES NA JORNADA DO HERÓI: PEQUENO GUIA DE VIAGEM.



Por: Daniela Graicar, CEO e fundadora da Agência PROS e do Movimento Aladas.




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